Oniomania
Quando gastar torna-se uma obsessão
Comprar, comprar e comprar... Muita gente compra para obter status, por necessidade, ou até mesmo por modismo, mas há quem compre pelo simples prazer que esse ato proporciona. Essas pessoas são os chamados consumidores compulsivos e formam 3% da população brasileira.
A oniomania, doença que ataca esse tipo de compulsivo, é caracterizada como um
transtorno de personalidade e mental, classificado dentro dos transtornos do
impulso. Para o consumidor compulsivo, o que lhe excita é o ato de comprar, e
não o objeto comprado. Essa pessoa "tem vontade de adquirir, mas não de ter",
afirma o psicólogo Daniel Fuentes, coordenador do Ambulatório do Jogo Patológico
(Amjo) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Segundo ele, a
maioria dessas pessoas é composta por mulheres, mas todas possuem temperamento
forte, são ágeis, dinâmicas, inquietas, perfeccionistas, possuem uma
desenvoltura social e cultural maior, são imediatistas e muito inteligentes. "O
mais interessante dos dados que a gente conseguiu com o grupo foi que essas
pessoas têm tendência a ser mais inteligentes do que a média das outras pessoas.
De alguma forma essa vantagem intelectual não é aplicada na vida, porque
racionalmente são pessoas que, depois da compra, são capazes de saber que
fizeram besteira", complementa. Na hora da compra, o craving (avidez) por
comprar fala mais alto. Os compulsivos por jogos, por exemplo, possuem uma
fixação maior que a fixação do viciado em cocaína.
Muitos problemas podem ser gerados por essa doença. Os compulsivos contraem
dívidas de até dez vezes a sua renda mensal, o que gera problemas pessoais e
familiares. Quando são privados dos meios de compra, chegam até a roubar. "Uma
das pacientes, quando estava impossibilidade de comprar, a impulsividade era
tamanha que ela chegou a roubar o produto, o que nunca tinha feito antes",
relata. Essas pessoas, até então, eram honestas e se deixaram levar pelo impulso
de comprar. Algumas vezes aplicam golpes, passam cheque sem fundo e pedem
dinheiro emprestado para quitar dívidas advindas de sua compulsão. "Não é um
defeito de caráter, é uma doença mesmo, a pessoa não é desonesta, ela tem uma
incapacidade de controlar esse impulso. Elas chegam ao tratamento porque acabam
atrapalhando a vida das outras pessoas."
Além de sua compulsão em comprar, as pessoas que sofrem da oniomania apresentam
outros tipos de impulsividades, como fazer muito exercício, comer exageradamente
e trabalhar muito. Mas não compulsivamente, como o obeso ou o workaholic, mas
fazer tudo com exagero. Ao comprar, elas não pensam em colecionar coisas,
mas acabam sempre comprando um determinado tipo de objeto. "Uma paciente tem 120
pares de sapato, a outra tem mais de 600 CDs, teve outro caso em que a pessoa
gastou um talão de cheques em um só dia. Outra paciente possui 30, 40 vestidos
semelhantes e que nem são usados", garante Fuentes.
Muita gente acha que o consumidor compulsivo compra apenas por problemas
emocionais. A depressão está muito ligada a isso, mas não é o que determina o
impulso para a compra. As pessoas compulsivas, mesmo quando tratadas com
medicamentos antidepressivos, não deixam de ter seus impulsos e, quando
conseguem se recuperar, passam por uma crise de abstinência parecida com a dos
usuários de drogas pesadas. O compulsivo acaba comprando excessivamente porque
não resiste ao seu impulso, e, enquanto não realizar a compra, se sente ansioso,
irritado e suas mãos ficam suadas. "Isso tudo é tranqüilizado quando ele compra
e muitas vezes pouco importa o que compra", diz Fuentes. O mito de que "eu vou
comprar porque estou me sentindo mal-amado" não tem a ver com o transtorno do
impulso.
Apesar dessas pessoas com transtorno viverem em uma sociedade que respira
propaganda, o professor Dilson Gabriel dos Santos, da Faculdade de Economia e
Administração da USP, nega que esse seja o principal motivo que leva o
consumidor a se tornar um compulsivo. "Nos Estados Unidos, antes de chegar nos
caixas de supermercado, você tem que passar por um 'corredor polonês' cheio de
produtos. Aqueles são produtos típicos de compra por impulso, mas que atingem
todos os tipos de consumidor. No caso dos consumidores compulsivos, eles
tornam-se presa fácil para os estímulos do marketing", e complementa: "O
marketing não tem o propósito de agir sobre as pessoas compulsivas, e nem tem
como distinguir quem é normal e quem compra compulsivamente". Às vezes, o fato
de um produto estar bem colocado na vitrine, ou em promoção, ou até sendo
degustado em um supermercado, pode levar o compulsivo a comprá-lo porque chama
sua atenção, mas ele poderia comprar qualquer outro produto, pois o impulso que
lhe faz comprar independe do que ele vai adquirir. "Imagine a pessoa que está
propensa a comprar. Ela responde bem a esses estímulos, e muitas delas sentem
uma sensação de completude. Por não ser uma compra planejada, ela pode comprar
aquilo que estiver chamando mais a atenção na hora", diz Fuentes. Nos casos de
compra por internet ou TV, por exemplo, há muita devolução do produto justamente
porque ele não é o mais importante no ato da compra.
Quando o produto chega em casa,
a pessoa percebe que comprou algo inútil e o devolve.
Para esses consumidores compulsivos, o professor Dilson dá uma dica: "O pessoal
que é mais racional sugere que você saia com uma listinha e a siga
rigorosamente. É uma forma de você se defender dos estímulos permanentes e que
estão em qualquer lugar, gastando menos".